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As lições das crises: por Devanir Silva

Artigo originalmente publicado no site da ABRAPP (clique aqui para ler o original)

Em tempos de incerteza, como os que estamos vivendo, é comum que o abatimento aconteça. É compreensível que seja assim, mas, ao mesmo tempo, deve-se lembrar que mesmo diante de tanta contrariedade surgem exemplos de resistência bem-sucedida aos males que pareciam incontornáveis.

São muitos esses exemplos. Aqui mesmo, no Brasil, basta olhar os gráficos do comportamento da previdência complementar fechada para verificar que esse sistema tem se mostrado não só resiliente a todas as crises pelas quais o País passou nas últimas décadas, mas também saiu delas ainda mais fortalecido.

Mas vamos olhar a retrospectiva histórica para verificar que há muitos outros casos mostrando que as crises atingem todos nós, mas não podem nos tirar a esperança.

Um dos exemplos mais marcantes foi o de William Shakespeare. Mandado para casa pela peste bubônica no início do século XVII e em quarentena, ele escreveu três de suas maiores obras-primas.

Já Isaac Newton, com Londres outra vez mergulhada, em 1665, na chamada “Grande Peste”, foi viver na propriedade rural de sua família, onde sentou-se embaixo da árvore de onde uma maçã caiu sobre a sua cabeça, experiência que o ajudou a elaborar a Teoria da Gravidade.

Também são exemplos o escritor Giovanni Boccaccio e o pintor Edvard Munch, que enfrentou e venceu a “Gripe Espanhola” (1918-1919) e cuja tela mais famosa, “O Grito”, bem que poderia representar melhor que tudo a surpresa diante uma pandemia.

Mas a minha principal lembrança é outra e me remete a um tempo bem próximo e a outro mais distante. Vejamos: no último dia 16 de abril comemoramos os 116 anos da Previ. Nascida no ano de 1904, tinha apenas 14 anos quando “Gripe Espanhola” fez incontáveis vítimas no Brasil, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, onde a entidade tem sua sede.

A passagem da data evoca superação, tanto mais por ter a Caixa dos Funcionários do Banco do Brasil se tornado a número 1 no Brasil e na América Latina.

É o exemplo vigoroso dado por uma entidade, como são outros que o conjunto do sistema como um todo tem dado em sua longa trajetória. Desde sua regulamentação, pela Lei 6.435, de 1977, foram muitas as crises, e a previdência complementar as enfrentou e saiu de todas ainda mais fortalecida, seja patrimonialmente seja em força institucional e qualidade de gestão, uso de controles adequados e governança segura.

A tal ponto que episódios fora da curva ocorridos em momentos dessa trajetória nunca contaminaram práticas que são, estas sim, regras e não exceções.

Essa capacidade de superar crises, é claro, precisa ser relembrada em momentos como esse, mesmo porque não temos dúvida de que isso irá se repetir agora. Força e determinação não nos faltam.

Em 1999, quando da crise que eclodiu com a desvalorização do Real, as EFPCs encerraram o exercício com um resultado que foi quase o triplo do exigido (TMA-TJP). Em 2009, ano seguinte ao da crise do “subprime”, quando as economias brasileira e do mundo lutavam em meio a muitas dificuldades, o nosso sistema apresentou um rendimento que foi mais que o dobro da necessidade atuarial.

No próprio ano da crise (2008), enquanto os fundos de pensão internacionais da lista da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) sangravam em mais de 20%, os brasileiros conseguiam segurar a sua rentabilidade negativa em não mais de 1,64%.

Algumas características de nosso sistema o tornam, digamos assim, preparado para enfrentar as crises. A primeira é a visão de longo prazo. A missão que recebemos e cumprimos, pagando religiosamente mais de R$ 60 bilhões todos os anos em benefícios, se mede em um horizonte de tempo com certeza dilatado, sendo essencial que todos os públicos envolvidos entendam a subordinação dos resultados financeiros a esse foco, numa régua cuja medida é dada em décadas e não em meses.

Afinal, crises não duram para sempre e, como têm data de validade, devem ser enfrentadas através das melhores táticas das quais o gestor pode lançar mão, sem jamais deixar contaminar o olhar estratégico. E muito menos perder de vista a “duration” dos planos que administramos.

Assim, a manutenção de uma visão estratégica e de uma política que a reflita são características importantes que devemos reconhecer em nosso sistema, enaltecer e traduzir em ações, ao mesmo tempo em que preservamos equipes técnicas qualificadas, consultores de alto nível e os melhores gestores com quem possamos contar.

Temos também uma base legal e normativa segura, estável e adequadamente voltada para a diversificação, ao mesmo tempo em que devemos buscar o engajamento dos participantes e contar com a postura flexível do órgão supervisor, esta última particularmente importante nesse momento.

É verdade que a presente crise se mostra maior do que as anteriores, daí a expectativa que cerca o exame pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) das medidas de emergência preconizadas pela Abrapp.

São providências importantes a serem tomadas, naturalmente pedem um estudo cuidadoso de seus efeitos, mas antes de tudo mostram, por parte de um sistema que tantas vezes e tão profundamente já provou o seu valor, o desejo de contribuir para a superação de mais essa crise. Nosso sistema sempre foi e continuará sendo parte da solução.

*Devanir Silva é Superintendente Geral da Abrapp


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